O <i>Bankia</i> e o aproveitamento da crise
«A falta de segurança acompanhada, pela corrupção dos poderes públicos e pela difusão de fontes impróprias de enriquecimento e de lucros fáceis fundados em actividades ilegais ou puramente especulativas, é um dos principais obstáculos ao desenvolvimento e à ordem económica» (João Paulo II, «Centesimus Annus»).
«A política e a economia são questões sociais. Dependendo da questão do rendimento muitos males acontecem na sociedade. A Igreja defende a propriedade privada mas na certeza de que os bens da terra são dados por Deus a todos os seus filhos e não a um pequeno grupo» (D. António Salles, Bispo do Rio de Janeiro, dirigindo-se aos pobres numa favela brasileira).
«A educação para o emprego ou para gerar produtividade ou competitividade, não vai ser solução para a questão social, pois desemprego, pobreza e desigualdade, são fenómenos que resultam do modo de produção capitalista» (Marx e Engels in «O Capital»).
No mundo capitalista reina a maior confusão. Sabe-se que existem dívidas esmagadoras e também se percebe quem as vai pagar. Mas o resto, é tudo uma trapalhada. Quanto dinheiro foi roubado e para onde foi. Que sistema é este onde o fruto do trabalho vai parar impunemente às algibeiras dos que nada fazem. E que futuro tenebroso aguarda as novas gerações. Em lugar de palavras e teorias, procuremos a verdade dos factos. Como é o caso espanhol das megafraudes do grupo Bankia.
Nas notícias que chegam, a trapalhada é total. Para começarmos: por quê, por exemplo, o nome Banquia? A palavra nem sequer é espanhola. É o nome vulgar de Lineu dado a um molusco bivalve extremamente perigoso visto que corrói as estruturas em madeira das construções próximas das linhas de água… Houve ou não houve intenção oculta neste caso do banco Banquia? Ninguém o saberá dizer, mas o caso é que esta fabulosa série de desfalques, lavagens de dinheiro e mentiras oficiais ameaça devorar todo o Estado espanhol.
Chama igualmente a atenção de qualquer observador o curto espaço de tempo em que toda esta densa teia de intrigas se tem desenrolado e a sistemática omissão dos nomes dos seus principais protagonistas.
O Banquia foi formalizado em Março de 2011 e entrou em funções dois meses e meio mais tarde. Foi sua casa-mãe uma outra instituição, também muito recente, o BFA – Banco Financeiro de Aforros. Ambos estes grupos financeiros recrutaram os seus capitais com a fusão de pequenos bancos de aforro e com a participação dominante de grandes accionistas altamente cotados em todo o mundo. Os jornais da especialidade citaram, entre outros, formações como a Fundação Mapfre, os bancos Santander, Sabadell e Popular, a Caixabank, a Mútua Madrilena, a Ordem Dominicana, a Companhia de Jesus, o Opus Dei, o J.P. Morgan, os grupos Rotshild e Rokfeller, o IOR (Banco do Vaticano), o Bilbao y Viscaya, La Caixa, Fundos Blackrock, etc., etc. Em suma: todos os grandes accionistas do Banquia estão directa ou indirectamente ligados às redes capitalistas da Igreja. Não admira, assim, que Banquia e BFA tenham declarado ter reunido, em meia dúzia de meses, activos de mais de 270 mil milhões de euros e de valores patrimoniais avaliados em cerca de 12 mil milhões…
Subitamente, em Maio de 2012, o governo intervém e nacionaliza o BFA e o Banquia, um «lobby» cuja administração acabara de corrigir as contas anuais relativas a 2011, passando um lucro de 41 milhões de euros para um resultado negativo de 7000 milhões!… Do pé para a mão. E ainda que o Banquia fosse o quarto maior banco de Espanha.
As perdas eram vagamente justificadas com alusões à «bolha imobiliária» e a «produtos tóxicos». Com a inesperada nacionalização parcial, o Estado espanhol permitia que o «lobby» continuasse a funcionar e transferia para o Orçamento do Estado, pago pelos contribuintes, os prejuízos da aventura. O que não impediu que o mau exemplo do Banquia funcionasse em dominó e viesse a derrubar, tal como está a acontecer, todo o restante sistema bancário espanhol. O banquia, o molusco roedor, acabou por apodrecer a velha casa de madeira.
Tinham razão os que afirmavam que falar-se em banca espanhola significa mencionar o Vaticano. Se isto é, certamente, correcto, o juízo parece incompleto e, sobretudo, não é decisivo. Se o caos já existe, é sempre possível geri-lo e corrigi-lo, pensam o Papa e os seus acólitos.
Tentaremos ver se assim é.
(continua)